"Os nĂșmeros estão abaixo do estimado como nunca estiveram", disse nesta sexta-feira (30) à AgĂȘncia Brasil a médica Rosana Richtmann, do Instituto de Infectologia EmĂlio Ribas. "Este é o recorde de baixa cobertura desde que começaram as campanhas de vacinação contra a gripe", afirmou a infectologista. A vacinação contra a influenza foi incorporada no Programa Nacional de Imunizações (PNI) em 1999.
Uma questão preocupante é que, pelos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de DomicĂlios ContĂnua (Pnad ContĂnua), estĂĄ diminuindo a população abaixo de 30 anos, não só no Brasil, mas no mundo inteiro, enquanto aumenta significativamente a parcela dos que tĂȘm mais de 60 anos. A Pnad ContĂnua foi divulgada neste mĂȘs pelo Instituto Brasileiro de Geografia e EstatĂstica (IBGE).
"Estamos totalmente na contramão, do ponto de vista que estamos envelhecendo. Isso significa que hĂĄ no Brasil uma população muito mais suscetĂvel a ter gripe, e tudo que essa doença traz, contra o que havia no passado, quando se alcançava 95% de cobertura vacinal na campanha de imunização. Existe esse paradoxo do ponto de vista da cobertura e de aumento da população de risco", afirmou a infectologista.
Segundo o Ministério da SaĂșde, os registros de SĂndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) por Influenza em idosos aumentaram 4,5 vezes em 2023, na comparação com o mesmo perĂodo de 2022, e 96,1% desses casos necessitaram de hospitalização até o mĂȘs de maio deste ano. Os idosos permanecem com maior risco de acidente vascular cerebral (AVC) até dois meses após uma infecção pelo vĂrus Influenza.
Rosana Richtmann destacou que observa-se, cada vez mais , a relação de doenças virais – "e a Influenza é uma delas" -- com complicações cardiovasculares. "VocĂȘ teve um quadro de Influenza e tem risco maior de infarto, de arritmia cardĂaca nas semanas seguintes. VocĂȘ teve Zoster, tem maior risco de ter um AVC, um derrame nas próximas semanas". EstĂĄ se estabelecendo uma relação direta de um fenômeno infeccioso viral como um gatilho para ter uma complicação cardiovascular, explicou a médica. "Quando vocĂȘ fala em prevenção de gripe, vocĂȘ passa a não ter infecção aguda pelo vĂrus Influenza e, por outro lado, tem a prevenção indireta para outras condições, como as respiratórias."
A médica ressaltou que, com a idade, as pessoas não percebem que é muito maior a chance de ter outras complicações decorrentes da gripe. Problemas como diabetes, hipertensão, e situações respiratórias, entre as quais asma e bronquite crônica, podem acelerar o processo.
O Ministério da SaĂșde destaca que cerca de 70% dos idosos tĂȘm alguma doença crônica e maior risco de agravamento de infecções. Isso ocorre porque o avanço da idade faz com que o sistema de defesa do corpo humano comece a apresentar diminuição de suas funções; processo é chamado de imunossenescĂȘncia. Como resultado desse declĂnio progressivo do sistema imunológico, a pessoa fica mais suscetĂvel a algumas doenças e infecções.
Os idosos que se vacinam contra Influenza, porém, tĂȘm menos possibilidade de ter a doença, com percentual em torno de 60% a 65%, ou de ter uma doença menos grave. Existem objetivos especĂficos para vacinar esta população". Rosana alertou que o vĂrus da Influenza ainda estĂĄ circulando no paĂs, trazendo complicações respiratórias, daĂ, a necessidade de vacinação desse grupo.
O coordenador do boletim InfoGripe, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Marcelo Gomes, confirmou a queda na adesão de idosos à campanha de vacinação e disse que isso acaba tendo impacto negativo sobre esse grupo. Segundo o pesquisador, as ações empreendidas desde 2020 para diminuir o impacto da covid-19 tiveram efeito positivo com a queda dos demais vĂrus respiratórios, inclusive com impacto muito maior para a própria covid. "Foi uma redução muito significativa mas, agora, à medida se foi retomando a normalidade, os vĂrus estão, de certa forma, aproveitando esse momento", disse Gomes à AgĂȘncia Brasil.
Ele destacou que caiu a percepção de risco associado aos vĂrus da gripe, o que pode ter ajudado na diminuição da busca pela vacina contra influenza. Assim como a infectologista Rosana Richmann, Gomes alertou que o vĂrus Influenza continua circulando, "aproveitando o momento" em que se relaxou, em todos os sentidos. "Tanto no comportamento quanto na vacinação."
O resultado é que as pessoas não estão com a imunidade adequada, e o comportamento favorece a transmissão. "AĂ, o vĂrus Influenza voltou com força.".
Outro fator relevante neste ano é a volta do vĂrus H1N1, diferentemente do que ocorreu em 2022, quando teve maior presença o H2N2. Embora também cause internações, o H2N2 não tem o mesmo impacto em termos de internações que o H1N1, que tem maior risco de agravamento. Neste ano, o H1N1 reapareceu, com presença mais significativa em um cenĂĄrio em que não se tem adotado quase nenhum cuidado. "Mesmo pessoas que tĂȘm algum sinal de gripe, que estão espirrando, tossindo, tĂȘm relaxado", destacou Marcelo Gomes.
O pesquisador da Fiocruz alertou que pessoas com sinais de gripe que não possam fazer repouso e precisem sair devem usar mĂĄscaras de proteção, especialmente se pegam transporte pĂșblico. Para ele, os brasileiros estão perdendo uma oportunidade muito grande de criar uma conscientização populacional de que a mĂĄscara é uma ferramenta extremamente valiosa para situações especĂficas.
Com o arrefecimento da covid-19, a sensação é de que a mĂĄscara jĂĄ não é mais necessĂĄria. Gomes ressaltou que não se trata de usar sempre mĂĄscara, mas sim em situações especĂficas, como outros paĂses fizeram no passado e construĂram esse costume como defesa contra a gripe. "A gente estĂĄ perdendo uma oportunidade de ouro de fazer essa mudança comportamental que pode, sim, nos trazer uma proteção, combinada com a vacina."
De 2021 para 2022, o nĂșmero de óbitos causados pela Influenza no Brasil subiu 135%. Neste cenĂĄrio, as pessoas com mais de 60 anos são as que adoecem com maior gravidade, indica o Ministério da SaĂșde.
Fonte: AgĂȘncia Brasil